terça-feira, 3 de agosto de 2010

para estevao e mariles

Houve um tempo em que eu me sentia muito infeliz e muito frustrada.
Chorava muito, reclamava mais ainda. Atirava contra os julgamentos e as
incompreensões das pessoas em relação a mim. Ficava descabelada com a
falta de respeito e com as decepções. Colecionava quadros, diálogos e
tristezas sobre isso. Sentia-me mesmo injustiçada e incompreendida.
Hoje eu não me sinto mais assim. Não é que o contexto ao meu redor tenha
mudado; fui eu quem mudou. Não mudei tanto, talvez. Apenas deixei de
esperar compreensão e de esperar aprovação para seguir meu caminho.
A compreensão é um luxo do qual muito poucos gozam - pense só em
quantas pessoas você compreende, pra começar - e a minha missão não é
ser aprovada, mas viver em paz com minha consciência.
Eu não quero uma vida fácil, eu não quero uma vida segura, eu não
quero uma vida lucrativa; eu quero uma vida pela qual valha a pena
morrer; eu quero uma vida qualitativa; eu quero uma vida que me permita
me encarar no espelho de mim mesma. Acreditem, é muito. Demais.
Normalmente estou aquém de minhas expectativas. Comumente me reprocho
tanto, que mal consigo olhar para mim. Tudo isso é árduo demais para que
eu possa me dedicar a colecionar quantos não compreendem o que estou
fazendo.
Antes eu sonhava com o reconhecimento. Que as pessoas me dissessem
que eu era uma boa esposa e mãe. A minha auto-estima era tão ruim, que
eu precisava disso como um aval que me fortalecesse para continuar
seguindo.
Agora eu sei que a maioria não vê aonde eu estou. Não me refiro à
escalas de melhor ou pior, mas de conseguir ver, mesmo. As pessoas não
entendem porque o Kevo não toma refrigerantes; não entende porque
Mariles não come chocolate, mas ainda mama. Não entendem porque ela
nasceu em casa. Não entendem porque ela ainda não está em uma escolinha.
Não entendem porque o Kevo não tem permissão para ver televisão aberta;
não entendem porque ele já tem que guardar seus brinquedos, pôr o prato
das refeições na pia e a roupa suja no cesto. Não entendem porque
Mariles ainda anda de sling.
E eu não espero que elas entendam. Penso que o caminho que escolhi é
meio isolado mesmo. Só espero que, ao final, vocês entendam. Vocês me
vejam e entrevejam, pelo menos, o rosário apaixonado de boas intenções
que instigou cada posicionamento. E se não entenderem, que me possam
perdoar. E se eu não contar com seu perdão e descubrir que estive errada
todo esse tempo, que eu possa ao menos me sentir em paz por ter seguido
meus instintos.
Hoje eu vejo que minha infelicidade de outrora não era pelo que os
outros faziam, mas pelo poder que eu permitia que as atitudes dos outros
tivessem sobre mim. Eu simplesmente permitia que pessoas às quais não
respeitavam ditassem minha conduta em muitos aspectos que apenas a mim
pertenciam.
Diziam que o Estêvão precisava de leite artificial e eu dava; que
ele precisava de menos colo e eu colocava no carrinho; que eu não seria
suficientemente boa para o educar e eu chorava, infeliz por meus medos
terem sido expostos sem tato algum. Agora, não. Eu sei aonde ir e
estamos seguindo, seu pai e eu. Quanto aos demais, eles podem falar,
afinal, vivemos em um país livre. Mas eles não esperam mais que suas
palavras sejam sentenças; nem eu que elas sejam mapas.